Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à FAPESP e à Embrapa, divulgaram na revista Scientific Data um dos maiores conjuntos de dados já produzidos sobre microrganismos associados a plantas dos campos rupestres brasileiros. O trabalho identificou mais de 257 mil espécies de bactérias e arqueias em diferentes tecidos de plantas da família Velloziaceae, além do solo em que crescem.
Os dados foram coletados de quatro espécies do gênero Vellozia, incluindo tipos que toleram a dessecação (ressurgentes) e sempre-verdes, que mantêm hidratação durante a seca. Os cientistas analisaram amostras de folhas, raízes, bainhas secas e do solo em diferentes estações do ano, permitindo uma visão abrangente da diversidade microbiana.
Essas informações já estão disponíveis em repositórios públicos como o JGI GOLD, o GenBank do National Center for Biotechnology Information (NCBI) e o European Nucleotide Archive (ENA). A expectativa é que os dados sirvam de base para novos estudos em ecologia microbiana, biotecnologia e estratégias sustentáveis de manejo do solo.
Os campos rupestres, situados principalmente no centro do Brasil, são conhecidos por suas condições ambientais severas: escassez de água, solos pobres em nutrientes e temperaturas elevadas. Nesse contexto, plantas da família Velloziaceae se destacam por sua capacidade de adaptação, desenvolvendo estratégias únicas para sobreviver. Algumas espécies ressurgentes, como Vellozia nivea e V. tubiflora, resistem à dessecação total e se reidratam após chuvas. Já Vellozia intermedia e V. peripherica permanecem verdes mesmo durante longos períodos de seca.
O estudo é considerado pioneiro por correlacionar a diversidade microbiana com diferentes estratégias de tolerância à seca. Segundo Bárbara Biazotti, doutoranda no GCCRC, a investigação revela um enorme potencial da biodiversidade microbiana brasileira para aplicação em tecnologias agrícolas adaptadas às mudanças climáticas.
Os dados do artigo foram publicados no formato de “descritor de dados”, que prioriza a disseminação ampla e detalhada das informações. Para Ricardo Dante, também pesquisador do GCCRC e coautor do estudo, tornar essas informações íveis é essencial para fomentar novas descobertas. “Nosso objetivo é permitir que a comunidade científica possa explorar, comparar e desenvolver novas hipóteses a partir desse material robusto e padronizado”, diz.
Além do impacto em pesquisas básicas, os dados têm potencial para aplicações práticas. A descrição completa dos perfis bacterianos em períodos chuvosos e secos, assim como entre espécies com diferentes estratégias de adaptação, permitirá avanços em conservação e no uso de microrganismos para melhorar a produtividade agrícola em solos áridos.
Esse mapeamento se soma a estudos anteriores do grupo, que identificaram bactérias com genes capazes de solubilizar fósforo – nutriente essencial e de baixa disponibilidade em solos tropicais. Essas bactérias, associadas às raízes de Vellozia epidendroides e Barbacenia macrantha, poderiam futuramente ser aproveitadas em biofertilizantes, reduzindo a dependência de insumos químicos.
A complexidade e a riqueza dos dados gerados neste estudo colocam os campos rupestres como um laboratório natural para entender as interações entre plantas e microrganismos em ambientes extremos. Mais do que mapear bactérias, o projeto propõe novas formas de enxergar a biodiversidade como aliada em tempos de crise climática e escassez de recursos.
O artigo completo, intitulado Seasonal bacterial profiles of Vellozia with distinct drought adaptations in the megadiverse campos rupestres, está disponível no site da revista Scientific Data.
Agência Fapesp. Divulgados dados do maior mapeamento de microrganismos associados a plantas dos campos rupestres. 2025.