Não, La Niña não tem data para retornar em 2025; entenda o porquê

Apesar dos rumores precipitados sobre o retorno da La Niña em 2025, não há fundamentação científica para essa afirmação.

Anomalia de temperatura da superfície do mar registrada no último sábado (17), indicando neutralidade no Oceano Pacífico equatorial. Créditos: NOAA.
Anomalia de temperatura da superfície do mar registrada no último sábado (17), indicando neutralidade no Oceano Pacífico equatorial. Créditos: NOAA.

Embora o evento La Niña 2024/2025 tenha sido inicialmente anunciado pela istração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) em janeiro deste ano, ele não chegou a se consolidar. As condições de resfriamento observadas entre dezembro de 2024 e março de 2025 foram breves e deram lugar a um retorno à neutralidade no Oceano Pacífico equatorial central já em abril.

Esse episódio, que dividiu opiniões entre os especialistas, acabou não entrando para os registros históricos da NOAA. Por outro lado, o instituto Bureau de Meteorologia da Austrália (BOM) manteve uma postura mais cautelosa e declarou neutralidade desde o fim do último episódio de El Niño, em maio de 2024. Enquanto alguns veículos vêm afirmando que a La Niña retornará ainda em 2025, a realidade é mais complexa — e é o que explicamos a seguir.

Condições atuais do Oceano Pacífico

O último boletim semanal da NOAA, divulgado na segunda-feira (12), aponta para uma situação de total neutralidade nas quatro regiões-chave de monitoramento do ENSO, com anomalias próximas de 0°C:

  • Niño 4: -0.1°C
    Niño 3.4: 0.1°C
  • Niño 3: -0.1°C
  • Niño 1+2: 0.0°C

Vale destacar que a região Niño 1+2 apresentou anomalias positivas expressivas durante março e abril, mas já retornou ao padrão neutro — uma oscilação que ajuda a explicar o cenário incerto à frente.

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Anomalias mensais observadas nas regiões de monitoramento (esquerda), e TSM observada e anomalia recentes do Oceano Pacífico (direita). Créditos: adaptado de NOAA.

Vamos ver a seguir o que dizem os principais modelos climáticos globais.

Previsão dos modelos

As projeções dos modelos dinâmicos e estatísticos utilizados para prever as fases do fenômeno ENSO estão divididas: metade indica tendência de resfriamento e a outra metade, de aquecimento. O resultado médio (chamado ensemble) desses modelos aponta, portanto, para a continuidade da neutralidade.

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Modelos de previsão de ENSO de abril de 2025. Créditos: NOAA.

Já as probabilidades estatísticas indicam que até outubro, a tendência predominante é de neutralidade. A partir de então, surgem chances semelhantes para neutralidade e La Niña — e é justamente essa ambiguidade que tem gerado interpretações precipitadas em algumas análises e manchetes sensacionalistas.

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Probabilidade de evento ENOS em 2025. Créditos: NOAA.

Contudo, não podemos basear as afirmações apenas nisso. Enquanto o instituto australiano BOM concorda com a neutralidade até outubro, eles destacam:

A precisão das previsões de ENSO feitas nesta época do ano tem sido historicamente baixa após o inverno.

Essas incertezas reforçam o que a ciência já demonstrou: prever um evento de La Niña com tanta antecedência é uma tarefa complexa e ainda cercada de limitações. Para entender melhor essa afirmação, é preciso olhar para o desempenho dos próprios modelos de previsão.

Limitações dos modelos: é possível prever La Niña com antecedência?

Enquanto os modelos continuam indicando temperaturas neutras no Oceano Pacífico equatorial para os próximos meses - e tendência de aquecimento praticamente generalizado no restante dos oceanos - estudos científicos já mostraram que a previsibilidade da La Niña é significativamente inferior à do El Niño.


Modelos dinâmicos, que simulam o comportamento dos oceanos e da atmosfera com base em equações físicas, são eficazes na previsão de episódios de El Niño. Já os eventos de La Niña são muito mais difíceis de antecipar, especialmente com mais de três meses de antecedência.

Quando esse intervalo aumenta para cinco meses ou mais — como é o caso das previsões para outubro — a acurácia dos modelos despenca. Os modelos estatísticos, baseados em correlações históricas, praticamente falham nessa janela de tempo.

A precisão das previsões do início de La Niña diminui drasticamente após três estações, com modelos dinâmicos abaixo de 20% e modelos estatísticos com precisão zero na maioria dos prazos, exceto em alguns específicos. Fonte: NOAA Climate.gov
A precisão das previsões do início de La Niña diminui drasticamente após três estações, com modelos dinâmicos abaixo de 20% e modelos estatísticos com precisão zero na maioria dos prazos, exceto em alguns específicos. Fonte: NOAA.

Diante do cenário atual, não é possível afirmar que a La Niña retornará em 2025, e muito menos estabelecer uma data para isso. As probabilidades indicadas pela NOAA mostram um empate técnico entre neutralidade e resfriamento após outubro, sem qualquer sinal claro de um novo evento.

Além de prematuras, essas previsões ignoram elementos científicos cruciais. Basear afirmações apenas em probabilidades estatísticas sem considerar a baixa habilidade dos modelos neste período e a complexidade do sistema climático é, no mínimo, precipitado.

A equipe da Meteored | Tempo.com reforça: até o momento, não há evidência suficiente para confirmar o retorno da La Niña ainda este ano.